Apesar de termos sempre a ideia de que os modernos historiadores portugueses sabem pouco de história da Antiguidade Clássica, Rui Tavares, num artigo de opinião publicado no Público de ontem, não cai no erro de confundir senador com cônsul (mais ou menos como confundir primeiro-ministro com deputado), como normalmente se ouve a respeito da história da nomeação do cavalo de Gaio (Calígula é alcunha) para um cargo político. A fonte é o mesmo Suetónio nomeado por Tavares e, como este diz, não afirma que assim aconteceu: trata-se um boato. Vale a pena lembrar a história do cavalinho (Suetónio, Vida de Gaio, 55; trad. de João Gaspar Simões1):
Incitato equo, cuius causa pridie circenses, ne inquietaretur, viciniae silentium per milites indicere solebat, praeter equile marmoreum et praesaepe eburneum praeterque purpurea tegumenta ac monilia e gemmis domum etiam et familiam et supellectilem dedit, quo lautius nomine eius invitati acciperentur; consulatum quoque traditur destinasse.
Para que nada perturbasse o repouso do cavalo Incitato na véspera dos jogos de circo, tinha por costume mandar os soldados impor silêncio à vizinhança. Além disso, mandou construir para este cavalo uma cocheira de mármore e uma manjedoura de marfim. Deu-lhe arreios de púrpura e um colar de pedras preciosas, além de casa, criados, móveis para que os convidados em seu nome fossem sumptuosamente recebidos. Conta-se, também, que quis fazê-lo cônsul.
Como se vê, apenas faltou dar ao cavalo o direito de acompanhar o dono aos restaurantes. Além do que o dinheiro do governante sempre serviu para o luxo desnecessário do que para o bem público. Em Roma, eram cavalariças de mármore; hoje, falaríamos em casas-de-banho do Ministério da Cultura.
1 Suetónio (2007). Os Doze Césares, trad. João Gaspar Simões. Lisboa: Biblioteca de Editores Independentes.