Estado de alerta, quase emergência
Da série Lisboa para vir ver e não para viver
Vivemos tempos estranhos e ao mesmo tempo não reprimo a expressão da ideia de que é um tempo fascinante. Não pelo medo, cuidados connosco e com os outros, mas pela consciência de que esta é uma experiência histórica, irrepetível (pelo menos, quero crer, no nosso tempo de vida) e única.
A cidade onde vivo não está vazia, mas é como se estivesse. Nas ruas e nos transportes, apenas encontro as pessoas que precisam de sair de casa (muitos estrangeiros residentes), a maioria de máscara. A burguesia aquartelou-se, e até o Jardim da Estrela ontem à tarde estava praticamente despovoado. Acabaram as festas, em público e em privado, não há grupos de pessoas, que circulam ou sozinhas ou em pares.
A entrada e a saída dos veículos (autocarros e eléctricos) da Companhia Carris fazem-se pela porta de trás (para proteger o tripulante de contactos desnecessários), não é preciso validar o título de transporte, cuja venda a bordo está suspensa e os veículos param em todas as paragens para que não seja preciso accionar o botão de STOP.
No Metropolitano (que circula praticamene vazio, mas sempre com seis carruagens), os canais onde antes, quando havia hora de ponta, se aglomeravam centenas de pessoas em fila, que precisavam de colocar a mão no sensor para passar, estão abertos.
A CP anunciou hoje a supressão de vários comboios, em todos os serviços, dado que muitos circulam vazios. Mas pela primeira vez, para sair do comboio, quem entra afasta-se e não afunila quem sai.
No autocarro, eléctrico, comboio e no metropolitano, ninguém se senta ao pé de ninguém, ninguém fala, a distância, a não ser do vírus. Ainda há quem ache que é exagero, outros pensam que é pouco e que todos deveriam estar em casa (mas estão ali, dentro de um transporte colectivo).
No céu, apenas pombos, gaivotas e melros, além das moscas. Os aviões são poucos e o ruído não perturba a tranquilidade diurna nem o sono à noite.
As idas à rua são rápidas como Aquiles de pés velozes e cada vez mais raras. Numa grande avenida de Lisboa, estão as lojas quase todas fechadas, incluindo frutaria, cafés, restaurantes, oficinas, lojas de decoração. Mantêm-se (provavelmente até hoje) outros cafés, lavandaria, a loja de conveniência e cabeleireiros e barbeiros. Longe daqui, museus, escolas, universidades, monumentos, muitas outras lojas e cadeias de lojas simplesmente fechadas «devido à situação do nosso país».
O perigo dá medo, mas ao mesmo tempo multiplicam-se e partilham-se, graficamente e em línguas vivas e mortas, brincadeiras sobre papel higiénico, lavagem das mãos e permanência em casa.
Nunca poderia imaginar que era preciso uma pandemia para que Lisboa voltasse a ser uma cidade boa para viver.